Pois é, minha amiga Bahia, aqui estou eu novamente me despedindo. Nestes momentos, como não deixar de recordar aqueles nossos velhos e bons tempos ?
Você deve se lembrar de nosso primeiro encontro. Éramos duas crianças, você um pouco mais velha que eu, mas ainda criança, ingênua e selvagem, se me permite ...
Na época, eu com meus sete anos de idade, lembra-se ? Brincávamos o dia inteiro, até a hora de ira para a cama. Quantas vezes não fui um pirata com você fazendo o cenário para mim, naquele velho forte do Morro de São Paulo ? No dia seguinte, quantas expedições não fizemos juntos pelos mangues do Rio Una ? Eu, remo em punho, conduzia a canoa que você me emprestava por horas a fio. Você, menina generosa, quantos guaimuns e caranguejos não deixou ao alcance de minhas mãos de aprendiz, mergulhado até os joelhos naquele lodo que até hoje deixou seu perfume em minhas narinas ?
E, em Cajaíba, quantas frutas você não colocou naquele meu cesto que eu carregava na cabeça e que as vendia por trocados para , depois, comprar bolachas de água na padaria da esquina, em Valença ? Que lindas jabuticabeiras você me deu para subir pelos seus galhos e me empanturrar com suas frutas deliciosas ?
E os banhos coletivos na Gamboa, homens de um lado, mulheres do outro, pelados e separados por um paredão colonial ? E nós, meninos, no meio do mato a espreitar os banhos femininos por horas a fio ?
Em Itapoã, quantas redes de robalos reluzentes você não me deixou ajudar a puxar ? Como foi gostoso chupar aqueles picolés de suas frutas nativas lá na praça, a caminho do aeroporto ?
E, tudo isto, lembra-se ainda, ao som da voz e do violão de Cayimi ! Como esquecer aqueles tempos ?
Pois é, o tempo passou e ficamos adolescentes. E as compras no comércio da Cidade Alta, em Salvador, ainda conduzido pelas mãos de uma mãe atenta mas que não impedia que eu, de soslaio, olhasse com desejo aquelas morenas nas ladeiras transversais ? Acho que foi alí que meus sonhos eróticos da juventude começaram, em plena luz do dia ... E você, também ainda jovem, mantinha a virgindade que a fazia ainda mais deliciosa que antes... Que peças lindas, de madeira ou de barro você nos oferecia em seus mercados e feiras ! Que mãos de artesãos desconhecidos por nós você produzia e nos encantava ! Mercado Modelo, Feira de São Joaquim, Bonfim, Amaralina (da casa com formato de navio), como nos encontrávamos a todo momento e com que felicidade vivíamos todos ...
Vieram os dezoito, vinte anos e nós dois sempre juntos. Quantos momentos não curtimos , embalados pela voz de Gal ou pelas poesias teatrais e cantadas de Bethânia. Agora, livre das mãos da mãe atenta, eu podia descer suas ladeiras e apreciar as curvas de suas meninas. Quanta ingenuidade a nossa, a minha, a sua e a delas ...
E o tempo, impiedoso, passando. Com ele, começamos a perder a nossa pureza.
Você criou os trios elétricos e, para azar de todos nós, o axé não saiu como você desejava.
Hoje, cá estamos nós, novamente, juntos. Eu, passado dos sessenta, mais crítico, exigente, míope e, talvez, já um pouco ranzinza. E você ? Ainda um pouco mais velha que eu, continua a exibir a beleza de antes, mas aquela garota pura, delicada e selvagem ao mesmo tempo já não existe mais, pelo menos para os meus olhos que a conheci assim.
Sejamos francos, sabendo que só o nosso amor permitirá que isto seja dito : você não é mais a mesma ... Sei que você também sabe disto, mas também sei que já não consegue conter ou mudar o seu jeito de ser. Você perdeu o que de mais puro tinha dentro de si. Você sabe, eu sei, que as crianças de hoje já não brincam mais de piratas, não fazem mais aventuras mangue adentro. A música que os embala, já não é mais a de Gal nem a de Cayimi. As vozes de hoje são esganiçadas e bradam obscenidades que não ouvíamos nem nas madrugadas pelas ladeiras da Cidade Alta. O que você deixou que fizessem na sua cozinha ? Onde foram parar os sururús, os aratús e os guaiamuns ? Porque suas frutas viraram polpas, o sorvete de sapoti foi substituído pelo “frozen yogourt” ?
Minha querida e hoje senhora Bahia, o que fizeram conosco ? Eu, algum dia destes, parto sem deixar saudades ..., mas você vai ficar, não importa com que idade. E então, quando isto acontecer, como você vai ficar ? Um a um, seus filhos ou admiradores daquela época terão partido e você, como ficará ?
Realmente não sei ... Só sei que aquela Bahia de minha infância hoje é uma Bahia desconhecida para mim, uma Bahia que só os que viajam pela CVC sabem curtir. É tudo muito triste .... E, para completar, tenho que partir.
Bye-bye, querida amiga Bahia. Qualquer hora destas voltaremos a nos encontrar ...
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