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19 dezembro 2004

O primeiro banho (russo)

Murilo Galvão

Do primeiro banho russo ninguém deve esquecer. Toma-se o metrô, faz-se uma baldeação, salta-se na estação que parece igual às demais, caminha-se uns dois quarteirões e você está em frente ao prédio de tijolinhos que, também igual aos demais, exibe no alto : "Russian and Turkish Spa. Since 1892".

Sobe-se alguns degráus e uma pesada porta se abre para um pequeno lobby à direita e um bar à esquerda. De russo, muito pouco; dá para lembrar de uma lanchonete de terceira em algum clube de segunda, no Rio ou em São Paulo.

Descarta-se dos documentos e pertences, deixados em pequenas gavetas. Imagino se James Bond ou outros agentes terão deixado alí suas pistolas, afinal, saunas devem ser ótimos lugares para se conhecer segredos ...

No caminho do vestiário, pelo corredor, já a primeira visão dos tipos mais recheados em busca das linhas perdidas.

O vestiário, conjunto de camas, colchonetes e armários velhos, como nos meus tempos de internato. Dois ou três clientes, semi-nús, dormindo.

Já com o uniforme apropriado, jaleco à UTI de hospital, limpo porém poído, chega-se ao momento de entrada na arena quente.

Realmente, muito quente, coisa para russo mandado à Sibéria. Por sorte, três largos e altos degráus dos quais, no mais baixo, pode-se suportar o calor. O salão, relativamente grande, de uma simplicidade de incomodar. Piso de cimento fazendo lembrar calçadas de Rio das Pedras. Um ralo, ao centro, escoando toda a água lançada, ligeiramente entupido por folhas, dizem que de eucalípto.

É que, de dois em dois metros, uma bica sem sequer torneira, jorrando água gelada. Sob cada uma delas, um balde de plástico, nada diferente daqueles de lava-jato barato. No meio da sessão de calor, a cada dois ou três minutos, lança-se sobre o corpo fumegante aquele líquido congelante. Prazer besta, diria meu pai, bom baiano.

Sobre os bancos-degráus, pranchas finas de madeira dão o tom do conforto. No canto esquerdo, enorme e fechada, a caldeira de pedra. Paredes e arquibancadas em cimento com toda a brita aparente. Tudo simples, tosco e mal-acabado.

E a sessão continua : muito calor e duchas de baldes de água gelada.

No degráu superior deita-se, de bruços e sobre uma toalha, alguém mais avantajado no peso. Chega mais algúem para perto, pelo degráu de baixo, trazendo um enorme balde coberto de espuma. Não há como evitar, novamente, a lembrança do lava-jato.

Inicialmente, uma camada de espuma é jogada sobre o corpo. Imagino que seja uma massagem. As mãos do profissional iniciam seu trabalho. O calção do massageado é colocado, literalmente, a meio-pau (ou meia bunda, para ser mais exato, pela sua posição deitado). Do balde sai então o que, não tivesse perguntado antes sobre as folhas no chão, pensaria ser um esfregão. Com o ramo-esfregão, uma série de chicotadas sobre o corpo estendido. Novas massagens, mais espuma e o momento do susto : o profissional resolve montar sobre o tipo, naquela posição conhecida também fora da Rússia. Cabeça latina, penso logo, vai ser agora, ao vivo, com platéia e tudo .... Nada. Simples técnica russa e ninguém parece observar. E por aí segue-se a massagem, entre baldes frios, carícias profissionais pelas costas e chicotadas para ativar a circulação do coitado.

Entra um casal conversando em Espanhol. Ele, atlético, de rabo de cavalo à la jogador argentino. Ela, tipo comum. Iniciam, descontraídos, uma sessão de alongamento, yoga ou de algum "-tsu" da moda.

Na saída, após os primeiros quinze minutos recomendados, a expectativa pelo novo ato anunciado : uma pequena piscina, quase um tanque, com água previamente gelada em alguma serpentina. Por azar, proíbido mergulhar, talvez para aumentar o sofrimento da experiência polar. Depois da primeira imersão vertical, uma segunda torna-se convidativa. Rapidamente, pois que em não mais que três minutos deve-se sair dalí sob pena de sei lá o que, virar picolé.

Nos corredores, bancos de madeira com meia dúzia de pessoas, "descansando".

Nova sessão de quinze minutos com o mesmo ritual de antes. No mesmo degráu superior uma mulher prepara-se para ser massageada, só que pelas mão do marido, sem espuma, chibatadas e técnica. Rosto virado para a parede, não percebe que um balde ameaçador se aproxima de suas costas. O grito seria inevitável e foi o que aconteceu. Surpresa maior para o marido que, desconsertado, inicia uma "bronca" mas que, olhando ao redor como se pego em delito ou buscando reprimendas, para de imediato. Observo que todos permanecem imóveis e sem esboçar qualquer surpresa ou reação pelo grito alucinante. Não pude evitar o sorriso de cumplicidade e complacência dado ao marido assustado. Acho que foi o bastante para acalmar seu semblante. Me retribuiu o sorriso e pareceu despreocupar-se. A mulher, sei lá como, já havia partido porta afora.

Mais duas imersões no caldo gelado, caminho de volta ao vestiário.

Na saída, na lanchonete caída, uma cerveja russa, não muito gelada, para a reidratação necessária.

Já na rua, deixa-se para trás quase cem reais de despesa e a experiência de uma sauna russa que não se modifica desde 1892.

Um comentário:

xyz disse...

Quero um dia poder ter a chance de tomar o banho russo pois vi um doc no canal futura e fiquei com muita vontade....Um dia eu vou !!! Abraços.