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16 outubro 2008

Recordando

Fotografia : o fim de uma Arte

Murilo Galvão 

Desde pequeno, o clique ouvido da máquina fotográfica me fascina. Antes, era como um jingle rápido e suave vindo do diafrágma ou obturador sendo aberto para, em seguida, fechar-se no interior escuro daquelas maravilhosas máquinas. Quando havia pouca luz, então, a sinfonia era um pouco mais longa, para meu puro deleite. Como era gostoso selecionar-se o “B” daquele velho caixote e comandar o ir e vir do obturador ... Mesmo sem filme, pegava-me ouvindo cliques a êsmo, com a velha máquina às mãos. 

Uso vários “era” pois tudo está desaparecendo no mundo moderno e digital. Já não se ouvem mais os cliques do passado. Percebendo que muito do encanto da fotografia fica no prazer também auditivo dos fotógrafos, fabricantes estão voltando a incorpora-lo em seus lançamentos. As novas máquinas, estas também, estão, na forma e no estilo, retornando àquele passado. 

No que se refere aos nossos cliques, hoje, com um ajuste nos sempre presentes “menus”, pode-se criar um fajuto, virtual, arremedo dos velhos diafragmas arrastando-se ou abrindo-se com elegância e charme. Dá para matar a saudade, mesmo sabendo-o falso. 

Pixels ou sensores não fazem nem jamais farão cliques reais. Parte do encanto se foi. CLIQUE, nome deste blog, é uma simples homenagem àquele passado que muitos não conheceram. 

E quanto à Arte, da ou na Fotografia ? 

Retornando à minha infância, tenho como uma das primeiras lembranças a com meu pai dentro de câmara escura em um hospital de Salvador, revelando chapas de raios-x. Nas horas vagas, êle que também foi fotógrafo profissional, sem grandes pretensões artísticas, muito mais interessado em complementar as rendas da família, me deixava acompanha-lo em seu laboratório, em algum quarto da casa. 

Um de meus primeiros objetos de desejo (material) foi um ampliador (ou seria amplificador ?). Via, brincava, operava o do estúdio caseiro e ainda desejava um para mim, mais moderno, onde pudesse criar as fotos que só na minha imaginação existiam. 

Alí, afogados em luzes quase sempre vermelhas, trabalhávamos entre bacias com produtos químicos. Revelávamos o filme que era posto a secar em varais improvisados, de pura poesia estética; depois, a ampliaçao com alguns toques pessoais, novos tratamentos químicos para a revelação da imagem que ia surgindo lentamete do papel imerso, já queimado e branco; finalmente, a lavagem e a secagem das fotos, uma a uma, todas em preto e branco. 

Depois, tudo isto se repetindo na época colegial. Acho que foi a primeira coisa “fundada” por mim : um Grêmio Fotográfico onde trocava o devido estudo por horas de mergulho nas mesmas luzes sensuais e vermelhas de antes. 

Era um processo que revelava a arte de alguns, a Arte contida na Fotografia, momento ou objeto captado pela câmera e pela sensibilidade do artista-fotógrafo. Muito pouco se fazia (ou se podia fazer) para alterar o modelo captado. 

O preto e o branco ajudavam no fascínio pelas obras criadas e promoviam uma Arte que era própria e específica. 

E aí vieram os filmes Kodakchrome, Ektachrome e outros coloridos do gênero. Era o início do processo, da popularizaçao da Fotografia, dos preços baixos, da urgência dos resultados, da pouca importância com a qualidade. E tudo começou a ruir quando chegaram os elefantes brancos, aquelas máquinas enormes colocadas por detrás das vitrines de lojas e pelos shoppings, revelando e ampliando nossas fotos em cada vez mais urgentes uma hora. Um clique despretencioso e todos almejando o “Oh !” final e imediato de admiração, reconhecimento da obra de arte produzida e já sem qualidade. 

Os laboratórios foram desaparecendo e, com eles, a verdadeira Arte fotográfica. Além do que já se fazia no passado, com o preto e branco, agora se manipulava, com muito mais intensidade e resultados, as cores dos cliques tomados. 

Já que o caminho estava aberto, o processo continuou e vieram as digitais. O aponte e dispare seguiu o seu caminho acelerado para os preguiçosos com pressa. Só uns poucos, atentos e sensíveis, não se renderam ao método. Mas o mal já estava feito. 

No interior diabólico das digitais o mundo é mais complexo e manipulador do que pensam conhecer os mortais como nós. O ato mecânico, simples, singelo, do obturador se movendo se foi, como já comentamos, substituído por sensores, pixels. Não bastasse isto, as maquininhas têm cérebro (eletrônico como já se usou dizer um dia). E estes monstrinhos são os que arruinaram a Arte de que falamos. Interpolam (matematicamente, sem que ninguém saiba ou precise saber como), aplicam filtros, medem a intensidade da luz, advinham o que você quer (se é que quer, realmente) ou simplesmente lhe tratam como mais um robô-fotógrafo; e, pronto. Aperte o “review”para ver se o produto lhe agrada. Não ? Então, faça tudo de novo ... Nem mais o custo financeiro de toda a operação nos incomoda. Gigabaites de memória estão alí para o nosso disperdício. 

Dirão os mais reacionários à esta análise que é verdade, mas que estamos voltando ao passado, nada está perdido ... temos ainda o modo Manual de operação, que o resultado da foto depende do que o fotógrafo ajustar, etc, etc. Ok, aceito como meia verdade, pois os filtros internos e tratamentos imediatos e não solicitados estão presentes, ainda aplicados à nossa revelia, descaracterizando a nossa capacidade de criação. O que se capta – de todas as formas - não é mais a realidade real, se me permitem a redundância e o ênfase ao estrago. 

Dirão, em seguida, estes críticos : e as fotos sem compressão (raw, tiff, etc – para os que entendem do que se trata) ? Não captam o que você quer ? Você escolhe o que deseja reproduzir e a máquina não vai interferir, exatamente como era antes .... 

Sim, mas o que fazemos com elas, depois ? Para que servem senão para nos levar ao computador e com os Photoshop da vida altera-las completamente : luz, intensidade de branco, máscaras, camadas, composições, resolução, tamanho, para ficar só nestes termos mais conhecidos. Simplesmente mudamos o timing e o responsável pela cirurgia, do instante do falso clique, pelo chip da máquina, para o Photoshop manipulado por editores-pretensos artistas 

A foto obtida, de qualquer forma, é um produto idêntico ao que se obtém após uma abrangente e extensa cirurgia plástica. Consegue-se tornar uma (querida) Dercy Gonçalves dos dias de hoje numa exuberante Ciccarelli, a nova Dercy do amanhã que vai chegar. 

São lindas (as fotos), impressionantes, como as vemos nas revistas, outdoors, galerias e exposições. Pura criação, resultado de uma Arte que se transformou em Ciência. 

O CLIQUE, nome deste pequeno espaço, é também uma homenagem a mais uma ARTE que vai inexoravelmente desaparecendo, para a nossa tristeza. 

29/12/2004

Um comentário:

alinitaxula disse...

Murilo tuas palavras son mais que verdade en canto as novas tesnologias... i o troco que imos viendo con a fotografía.
tu historia con a fotografía venhe enton de familia eh?
parabens por tua sensibilidade que trasmites con tuas palavras y fotografías.
alinita