Álvaro Melo
Vocês já foram à Morro de São Paulo ?
Nós já!
Estávamos em sossego em nossa casa nova, curtindo uma penúria provocada pela epidêmica fúria construtora quando tocou o telefone. Era o Miguel, vocês conhecem o Miguel? Pois isso faz toda a diferença. O Miguel a quem já conheço há mais de 50 anos é uma figuraça: aposentado e dono de um contracheque razoável esse meu amigo foi passear sozinho em Morro de S.Paulo, Bahia, e com a simplicidade que eu ou você fazemos uma caipirinha, ele resolveu erguer uma Pousada por lá.
Por telefone acompanhei os surtos de fúria construtora dele e achava os meus leves. É que lá não há estrada, tudo vai de barco e do barco à obra o máximo em transporte é o carrinho de mão.
Naturalmente aconteceram os imprevistos de praxe e o Mercedes classe A novinho teve que ser vendido, assim como exigido um esforço olímpico do cartão de crédito. Nada que não tivesse paralelo por aqui.
A Pousada ficou pronta no final de 2003 e nossa casa também. Os telefonemas escassearam e até eventuais visitas ao Rio nosso amigo praticou.
Até que depois de um período sem comunicação, o tal telefonema: “Por que é que vocês não vêm até aqui? Estou fazendo obras e a Pousada está fechada. Estadia sem despesas! Mas venham mesmo, pois estou pensando em vender.”
Conversa daqui e dali e acabamos concluindo que poderíamos ficar uma semana fora e até fazer o grande teste que é sair de uma casa com cachorros, plantas e etc., para futuras incursões congêneres.
Tudo acertado lá fomos nós de carro. Não vou descrever a viagem para não me aborrecer de novo, mas dei graças a Deus por ter ido no velho e parrudo Versailles, deixando um modernos Citroen Berlingo em repouso na garagem... Também não vou descrever o trecho baiano da BR-101 porque não sou dado a escrever palavrões e não me ocorre nada mais suave a respeito do assunto. Águas passadas e para registro, o Versailles sobreviveu aos buracos e ao álcool batizado e repousa sereno na garagem.
O destino normal seria Valença, terra da piaçava, mas por orientação do Miguel seguiríamos um pouco mais, até um lugar chamado Atracadouro aonde ele viria nos esperar para pegar umas encomendas que ele aproveitou para me fazer portador.
Por conta dos percalços da viagem chegamos depois do último barco de carreira e tivemos que fretar um para nos levar. A noite já vinha caindo e a travessia num barco pouco maior que uma canoa e atravessando um mar aberto e fustigado pelo vento não foi das mais encorajadoras. Mas acabou rápido como uma injeção. Em menos de uma hora estávamos de novo em terra firme olhando a escada que teríamos que enfrentar. Foi moleza, perto da rampa que veio a seguir. Por uma caridade com os turistas fizeram uma escada ao lado da rampa com alguns patamares, artigos providenciais e necessários na prevenção de infartos e outros sufocos similares.
Nossa bagagem e as encomendas do Miguel, já despachadas em dois táxis (adivinhem? Certo!, os táxis são os indefectíveis carrinhos de mão...) permitiu-nos a leveza de passear pela “Vila” como é chamada a área, larga a princípio e depois se afunilando por uma ruela onde desembocamos depois da subida.
Logo depois dessa subida o piso em cimento irregular transforma-se em areia fofa. Jantamos por ali, antes de seguirmos para a Pousada. Minha mulher, com um dedão do pé fraturado uma semana antes da viagem, preveniu-se com uma sandália masculina, dessas próprias para caminhadas e outras aventuras, e com o pé envolto num saco plástico protegeu as bandagens de um destino inglório.
A paisagem noturna não trazia maiores arrebatamentos e devido ao cansaço da viagem fomos em seguida para a Pousada. O caminho variava entre a areia fofa e pisos inclinados e escorregadios de pedra ou cimento irregular o que reduzia nosso ritmo devido às dificuldades do dedão quebrado.
Mas nada como um banho e uma boa noite de sono para apagar os resquícios do cansaço e da tensão de uma viagem que tinha tudo para ser tranqüila, mas que gerou um estresse devido à precariedade da estrada e da nossa vontade de chegar dentro do horário combinado.
No dia seguinte é que fomos ver onde estávamos: uma ilha, distante 70 km em linha reta, por mar, de Salvador, dotada de belas praias como aliás acontece com a maioria do litoral do Nordeste. O local todo praticamente se resume à Vila e às praias, primeira, segunda, terceira e quarta. De frente para as praias, pousadas e mais pousadas entrecortadas por uns galpões simples transformados em restaurantes. Na praia pouca gente, quase ninguém a despeito do belo sol e da temperatura convidativa.
Só depois viemos a entender o funcionamento da ilha. De manhã dorme-se até 10:00 ou 11:00 horas. Em seguida toma-se um café e dorme-se mais um pouco já que ninguém é de ferro. Lá pelas duas ou três o pessoal levanta para pegar uma praia onde fica até o final da tarde.
Daí é hora de tomar um banho e subir para a Vila, almoçar, conviver, papear, vagabundear até umas 22:00 ou 23:00, quando é hora de descer para as praias, onde quiosques e cabanas com tocheiros acesos esperam ao lado de barraquinhas com as frutas mais diversas destinadas a confecção dos drinques mais incríveis que as pessoas possam imaginar. E o som? Alto e bom som! Caixas acústicas imensas se encarregam de transmiti-lo para tantos quantos estivessem por perto e até nem tão perto. Axé, muito axé... Bebe-se, fuma-se e cheira-se muuuuito.
Garotas de programa vindas de Salvador (periguetes, como são conhecidas pelos locais) de plantão assediam os machos desacompanhados e fazem parte do clima festivo. Poucos brasileiros, mas muitos estrangeiros, especialmente europeus. Bandos de mulheres de todas as faixas etárias e desacompanhadas. Os homens, mais discretos andando sozinhos ou no máximo dois ou três. Poucos casais formais como eu e minha mulher e raríssimas crianças.
Definitivamente não é um local para levar crianças e sim para fazê-las...
A água salobra e a areia dominante em pouco tempo nos deixaram com uma leve sensação de sujeira perene e com saudade do nosso chuveiro, sabonete, banheiro, etc, etc... Pior que não estou me queixando da pousada, cujos banheiros eram excelentes; só da água...
Ao fim do segundo dia de ócio, uma leve sensação de confinamento começava a incomodar. O Miguel andava conosco por toda parte (nem tantas partes assim...) e como conhecia todo mundo parávamos muito para conversar.
Algumas pessoas acreditavam estar no paraíso e consideravam a mudança de vida para ali como a melhor opção de suas vidas e bastava a menor crítica para um confronto com as mazelas do Rio ou dos grandes centros. Gosto de filosofia de botequim, nada de papo cabeça ou exortações xiitas. Ao me perguntarem se sentia falta de alguma coisa, respondi que minhas mãos estavam sentindo falta de um volante e quase fui linchado... Na mesma hora fui tachado de adorador de engarrafamentos e coisas parecidas. Peralá minha gente! Gosto de dirigir, gosto de pegar uma boa estrada, gosto de conhecer lugares novos e também de rever outros que me agradam! Não quis me aprofundar em outras questões, como socorro médico em horas impróprias, etc. e tal para não ser expulso da ilha e poder sair dignamente quando da minha escolha...
Não sendo loucos por praia (minha mulher tem alergia a sol) nem por passar noites a fio dançando axé e bebendo todas, três dias foram de bom tamanho. Agradecemos a estadia, fizemos as malas e embarcamos de volta para Atracadouro onde nosso imundo e confiável carro nos esperava.
A viagem de volta num, ritmo mais calmo devolveu-nos a certeza que gostamos de viajar mesmo que pelo uma vez à Morro de S.Paulo. A próxima, se Deus quiser deverá ter passagem obrigatória pelo Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul, independente de quantos outros lugares a gente visite...
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