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26 dezembro 2004

Boris e Natasha

Murilo Galvão

Natasha, magra, esbelta, porte atlético, era daquele tipo de robô que despertava suspiros masculinos e inveja das companheiras de trabalho. Russa de origem, dois anos antes disputara uma competição internacional e desbancara, com folga, suas concorrentes norte-americanas, alemãs e japonesas.

Boris também era de porte invejável. Mais invejável ainda era sua inteligência. Na fábrica onde trabalhava era sempre o escolhido para as tarefas mais complexas. Verdadeiro gênio, conforme comentavam seus chefes. Projetado no Japão, acabara clonado na Rússia. Orgulho para todos.

Boris e Natasha já vinham casados há mais de três anos. A rotina das fábricas e da vida conjugal já estava começando a incomoda-los e, por isto, resolveram produzir um primeiro descendente. Depois de algumas discussões, entre preservar a beleza e a agilidade da mãe ou a genialidade do pai, optaram pelo segundo.

E alí estava Natasha, há quase duas horas aguardando notícias na sala de espera daquela maternidade de subúrbio. Boris havia entrado para o laboratório de cirurgias esperando que tudo estivesse concluído em pouco mais de meia-hora. Havia feito todos os testes possíveis. Não havia o que dar errado, garantiam os médicos-cientistas.

E Natasha cada vez mais nervosa, quando a porta automática se abre e entra uma robô-enfermeira. Percebeu logo Natasha que algo não ia bem.

- E então ? Nasceu meu robozinho ?, não se conteve. Como está Boris ?
- Tudo bem com Boris, não se preocupe - responde com foz fria a enfermeira. Com o robozinho é que tivemos um probleminha mas não se preocupe, tudo vai ficar bem ...
- O que houve ? Onde está êle ?, perguntou ainda mais ansiosa. Quero vê-lo ....
- Calma. Foi só um problema nas partes motoras inferiores mas os cientistas já resolveram isto.
-Sim, sim, e o resto tudo bem ? Onde está êle ?
- Calma, já disse. Espere mais um pouco que vamos trazê-lo para você. Boris está muito feliz, lá dentro ...
- Então vamos ...
- Outra coisa que preciso lhe informar, as garras motoras superioras também apresentaram problemas. Preciso voltar para ver se já resolveram isto ...
- Está bem, já sei ... Agora quero ver o meu robozinho !
O telefone toca e após rápida conversa, diz a enfermeira:
- Natasha, mais um pequeno problema. Talvez seu robozinho não tenha saído como vocês esperavam ...
- O que foi mais ?
- É que seus sistemas audio e visual estão comprometidos .....
- Chega, já não aguento mais .... Preciso ver meu Igorzinho ! Igor vai ser seu nome, sabia ?
- Acalme-se, já disse. Fique tranquila que já trago o Igor para você.
E lá se foi a enfermeira, deslizando pelo corredor impecavelmente branco.
Quinze minutos após, abre-se novamente a porta da sala de espera e entra um outro enfermeiro, ainda com seu macacão branco e meia máscara cobrindo o rosto metálico. Em suas mãos de robô uma enorme bandeja e, sobre ela, uma também enorme orelha.
- Natasha ?
- Sim, sou eu ...
- Seu robozinho. Pode vê-lo por uns minutos pois terá que voltar ao laboratório para ser incubado mais um pouco. Fique com ele que já volto ...
E Natasha, com todo o carinho e ainda trêmula, pega a enorme bandeja com a enorme orelha e comovida só consegue falar :
- Meu Igor, meu Igorzinho ...
O robô-enfermeiro que já ia saindo pela enorme porta automática ainda teve tempo para girar o sensor superior e dizer a Natasha :
- Senhora, fala mais alto que êle é surdo !

(nova versão de piada antiga)


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