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17 dezembro 2004

Piaçava no Park

Murilo Galvão

- Eu, de novo, Piaçava. Piaçava da Silva, lembram-se de mim ? Apesar do sobrenome, nunca gostei de viajar. Prá dizer a verdade, gostaria mesmo era de estar na minha terra. Quem sabe um dia não volto ?

Mas andei viajando novamente; desta vez, uma viagem muito diferente das outras. Não andei aos trancos, não ví poeira nem fumaça. Tudo muito tranquilo mas, em compensação, parece que me levaram dentro de uma geladeira. Que frio ! Lembro que me encolhi toda num canto e rezei muito para não virar sacolé ... Ao chegar não sei onde e nem o porquê, deram-me um banho. A água era mais gelada ainda e, pior, cheirava muito mal, como se fosse um remédio ruim.

Depois, voltei ao castigo no escuro. Afinal, que tanto faço de errado para viver destes castigos repetidos ? Pior é que o frio continuava, um pouco menos, mas ainda de matar. Nestas horas que vão se repetindo, só penso em Cajaíba. Que saudade ! Acho que acabei desmaiando alí naquele canto.

Ao acordar, pensei que haviam me levado para o céu que, por sinal, estava muito azul. O frio era menor pois um pouco de sol me alcançava. Sim, no céu, porque tudo era muito bonito para mim. Nunca havia visto nada como aquilo.

Mas logo ví que não. Um homem que nunca havia conhecido estava sentado à minha frente, segurando uma roda que às vezes girava, para um lado ou para o outro. Podia ouvir também um toc-toc que bem parecia os do trator de minha fazenda da infância. Andávamos bem devagar, o que me deixava tempo para apreciar tudo. Ao meu lado, um balde igual aos que já conhecia e outras coisas que nunca havia visto. Engraçado é que, como eu, havia alguém mais, mas suas tranças eram de metal, bem mais duras e coloridas de verde, se não me engano.

E lá íamos nós. Como disse, observava tudo com muita curiosidade e admiração. E por isto mesmo entendia menos porque estava alí naquele lugar. Tudo tão limpo, não fosse por tantas folhas espalhadas pelo chão às vêzes negro, outras de um marrom pálido. As árvores que passavam pareciam velhas, de carecas. Que teria acontecido com elas ?, pensei do fato inusitado para mim.

Tentei puxar conversa com o tipo de tranças metálicas. Depois de muito custo, conseguí entender que era final de outono, que caíam as folhas, que um dia voltariam. Explicou-me mais algumas coisas que não consegui entender. Afinal, qual seria a diferença, continuei a pensar, acostumada que fui ao verão eterno ?

Ainda pelo caminho, uma ou outra árvore em flores. Verdade seja dito : eram lindas, carecas e coloridas, muito diferentes das que, me lembro, se esparramavam sobre o manguezal em direção ao mar. Por entre as folhas, onde ainda se podia ver, a grama era raquítica, de um verde muito pálido, quase cinza.

Logo depois de uma curva encontramos um lago que logo pensei ser o mar. O coração disparou imaginando poder reencontrar um velho saveiro deslizando até sem vento. Mas não, era mesmo um lago pequeno onde brincavam, sem muita animação, uns patinhos de cores escuras.

Enquanto andávamos para não sei onde, passavam por nós umas pessoas muito estranhas, altas, louras, às vezes muito gordas, umas de terno, outras simplesmente vestidas como se fossem para alguma festa, correndo, apressadas por alguma razão. Lembro-me de haver ainda passado por um pequeno grupo. Como paramos por um instante, tive a impressão de que havia uma noiva entre eles e um ou dois homens de preto. Será que estavam casando ? Não consegui ver o padre e também, nem procurando em volta, achei a igreja. Coisa esquisita !. Desta vêz não me animei a perguntar ao meu quase clone, ao lado.

Subimos por uma pequena ponte onde crianças jogavam alguma coisa n'água. Criança é tudo igual, pensei ...

Finalmente paramos e o homem que ia à frente veio em nossa direção. Já não me imaginando no céu, pressenti o pior. Mas não, tirou tudo que estava ao meu lado, inclusive eu, e nos colocou no chão. Fiquei, novamente, ao lado do tipo estranho, o de tranças metálicas.

Comecei a ficar assustada novamente quando o homem ligou um negócio que fazia muito barulho. Ficou segurando um tubo que saía dalí e por onde fazia muito vento. Sei porque fiquei em sua frente e quase fui lançada para o alto. Com esforço, só caí no chão mas o homem veio e me pôs de pé, novamente.

Depois, nos deixou um pouco para trás e entrou numa parte do jardim, cercada por tela baixa e coberta por folhas mortas. Do tubo continuava a ventania e com ela o homem parecia espantar as folhas que voavam todas para o alto mas sempre para a frente. Podia agora ver a grama quase morta. Eu de alguma forma me divertia agora com tudo aquilo, aliviada por imaginar que aquele trabalho poderia ter sido meu. Ao meu lado, o de tranças verdes parecia não se importar com nada.

Ví então que o espetáculo das folhas voadoras não era só meu e que algumas pessoas também paravam para assistí-lo. Afinal, eram folhas que pareciam querer voltar aos seus galhos nas alturas mas que, aos poucos, iam se amontoando, ordenadamente, mais à frente.

Foi quando notei que, no grupo que se formou, alguém, um pouco à frente, me olhava de forma diferente. Não era exatamente como os outros que havia visto nesta manhã. Era mais baixo, casaco e gorro azul à cabeça. Me chamou atenção o bigode branco que tinha no rosto, muito branco, como se fosse de algodão ou do Papai Noel que conhecí um dia na infância. Ví que tentou tirar uma foto, não sei se de mim ou das folhas, mas alguma coisa deu errado pois logo desistiu.

Esquecido das folhas, continuou a olhar para mim, como se visse alguém que há muito não encontrava ou que lhe trouxesse recordações.

Já encabulada, ví ainda que ele me deu às costas e seguiu, passeando, pelos jardins do Park.

(Ao amigo Walter, pela idéia da continuação do personagem)

Um comentário:

Anônimo disse...

Salve Murilo,
Continue fazendo a Piaçava descrever o mundo. Feliz Natal para todos. Aqui também está frio: 21oC.
Abraços Walter