Translate

07 dezembro 2004

O Retôrno dos Quiabos (Parte II)

(continuação da Parte I)

Bem, voltemos aos verdinhos de que estávamos falando.

- Afinal, o que têm em comum os antigos e os modernos quiabos, de que tanto se fala por aqui ? - continuam a perguntar os que mantiveram o ímpeto da leitura e continuam nos acompanhando.

- Certamente que muitas coisas ! Vejam que ambos despertam de forma intensa nossos sentidos. Tome-se o olfato, excitado pela chegada de um bom caruru, inebriando-se pelo perfume da mistura perfeita; sintam como relaxam-se os tímpanos ao acompanhar a perfeição do som mp3, regido por chips e tocados por flip-flops de um Yamaha ou Bang-Olufsen sofisticados; observem o derreter do tato ao sentir o tremer dos dedos sobre o delicado e puro couro de um Bentley ou Maseratti; vejam como incendeia-se a iris ao deparar-se com a beleza de uma foto digital, tomada por milhões de pixels desconhecidos, como poderia, também, render-se aos encantos visuais de um prato perfeito, preparado com muitos outros quiabos por mãos rendadas de uma baiana qualquer ou pelo pulso engomado de um chef pretensioso.

- E ainda teríamos muito campo se púdessemos prosseguir pelos caminhos excitantes das coisas proibidas. Só para lhes deixar uma pitada de curiosidade, os velhos quiabos hoje travestidos de aparelhos elétricos, também foram muito utilizados no passado baiano. Dizem, alguns mais antigos e eruditos que, Vatsyayana, autor e ensaista prático do tão famoso Kama-Sutra, ao passar pela Bahia, buscando ensinamentos entre Oloduns e Yemanjás, por muito tempo ainda pesquisou as propriedades do citado vegetal e que só não veio a ser ilustrado em sua obra suprema por problemas com a censura da época. Mas isto é segredo baiano, papo para uma futura roda de chopp e alguns acarajés.

Vamos então ficar por aqui com outra semelhança, menos sutil, muito mais fácil de ser exercitada. Vamos tratar do processo de compra, “tipo assim” do que fazem revistas especializadas - daquele ato simples que, feito de forma indevida, vai nos levar a resultados pouco agradáveis, às fibras do quiabo no caruru de domingo ou à frustração do descobrimento da compra mal feita.

Voltemos à feira semanal da infância já relatada. O que havia alí que possa nos servir de ensinamento ? O que fazia a mãe com que os verdes quiabos comprados se tornassem perfeitos e infalíveis no caruru preparado ?

É exatamente esta resposta que hoje nos serve de ensinamento, para evitar a compra irreparável e indevida.

Por certo, ela que comprava sabia inconscientemente :

- o que desejava (preparar um caruru);
- o que precisava (quiabos, dendê e camarões secos, em quantidades precisas, nem mais nem menos);
- onde ir busca-lo (na feira ou na quitanda; no “freguês” que lhe ofereceria o melhor produto)
- o quanto se dispunha a pagar (“you get what you pay”, dizem por aqui);
- o preço aproximado (não tão aproximado pois inflação já havia) que iria encontrar;
- a qualidade esperada dos produtos (sem fibras, cor e tamanho, no caso dos verdinhos), aprendido com o tempo de seus anos, acompanhando outros na tarefa exímia de selecionar os melhores – como eu naqueles momentos, lendo receitas no “Diário de Notícias” que só nos alcançava aos domingos, ouvindo tias, vizinhas, amigas;
- como utilizar o produto adquirido (no preparo do caruru); e, por fim, não menos importante,
- que tudo aquilo, do momento do pedido em coro da família diminuta ao instante dos rasgados elogios, tudo lhe dava grande prazer.

Sim, porque sem prazer não se chega a lugar nenhum. Muito menos se compra um bom quiabo.

(continua)

Nenhum comentário: