Murilo Galvão
Era um sobrado, antigo como os demais da rua, quarteirão e bairro. Acredito que lá pelos anos 40 deva ter sido o espaço de uma pequena indústria, no Brooklin. Agora, em área revitalizada, alí funciona - entre tantas outras - uma galeria de arte, simples, ainda mistura de moradia e atelier do artista que busca seu lugar ao sol em galerias mais sofisticadas de Manhattan.
O salão térreo era largo e bastante comprido para talvez chegar à outra rua, nos fundos.
Por entre telas penduradas ia caminhando sem me fixar especialmente em nada. Motivos geométricos, alguns simétricos, outros borrões abstratos. Para mim, mais um artista moderno, contemporâneo, sei lá.
Pelo meio do percurso encontro duas peças enormes e antigas, penso que restos da antiga indústria. Paro para observa-las com carinho, apesar da vergonha instintiva ao sentir-me dando-lhes prioridade e tanta atenção naquele ambiente de arte. Heresia de leigo. Uma lembrava um grande tonel metálico, com tubos que quebravam a harmonia da forma. A outra, peças de uma grande engrenagem, rodas dentadas que um dia tiveram vida. Sem dúvida, pensei, era o que havia de melhor no espaço.
Caminho mais um pouco por entre outras tantas telas semelhantes e deparo-me com o cenário e script do ritual da criação.
Na parede, algumas folhas de papel penduradas em sequência estudada. Na primeira, foto digital impressa em papel barato. Simples objetos como que em pose. Na seguinte, a mesma reprodução, fora de foco, buscando já esconder algo. Em seguida, a última e a mesma cópia já com um quadriculado, a lápis, desenhado sobre si. Inspiração e fonte, em miniatura, para uma nova obra a nascer.
Lembro-me, então, da técnica que, ainda menino, utilizava para reproduzir os desenhos épicos encontrados nas revistas em quadrinhos da época, "Jerônimo, o Herói do Sertão", em especial. Naqueles tempos, ensaiava meus primeiros traços de artista que nunca foram além de cópias em guache sobre madeira, pintadas muitos anos após. Se não se transformaram em obras de arte, pelo menos se fizeram úteis tábuas de queijo em casas de amigos benevolentes.
E, mais uma vez, alí, perguntei-me o que seria aquilo, produto de tal processo criativo ? Seria a "Arte" nos tempos de hoje ?.
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